A série das preces que pedem o olhar divino, ou que o testemunham, parece infindável. A das que pedem menos atenção por parte de deus parece não ter nenhum representante. Há, no entanto, pelo menos um exemplo importante, até mesmo essencial. Ele está em Jó 7, 16-21:
Parce mihi, nihil enim sunt dies mei. Quid est homo, quia magnificas eum? Aut quid apponis erga eum cor tuum? Visitas eum diluculo, et subito probas illum. Usquequo non parcis mihi, nec dimittis me, ut glutiam salivam meam? Peccavi; quid faciam tibi, o custos hominum? Quare posuisti me contrarium tibi, et factus sum mihimetipsi gravis? Cur non tollis peccatum meum, et quare non aufers iniquitatem meam? Ecce, nunc in pulvere dormiam; et si mane me quaesieris, non subsistam.
Ironicamente, quase pode ser lido como uma oração do ateu convicto que fraqueja, e pede que deus se afaste dele. O Parce mihi domine não é o habitual “poupa-me do sofrimento do mundo”, mas é um “me poupe do teu olhar”. A bíblia de Jerusalém reforça essa leitura, na sua tradução direta do texto hebraico:
(…) deixa-me, pois os meus dias são um sopro! Que é o homem, para que faças caso dele, para que te ocupes dele, para que o inspeciones cada manhã e o examines a cada momento? Por que não afastas de mim o olhar e não me deixas até que tiver engolido a saliva? Se pequei, que mal te fiz com isso, sentinela dos homens? Por que me tomas por alvo e cheguei a ser um peso para ti? Por que não perdoas meu delito e não deixas passar a minha culpa? Eis que vou logo deitar-me no pó; procurar-me-ás e já não existirei. A resposta a esse “não me olhe”, sabemos, vai acabar sendo um “cale-se”, e o prolongamento da vida de Jó, que viveu para ver até a sua quarta geração, mas não para sempre. Carl Gustav Jung coloca na conta desse livro insuportável a necessidade da vinda do Cristo, e, na continuação, do dogma da assunção de Maria. O livro de Jó, curiosamente, é o livro que permanece mais legível por todos e para todos, ele quase cai da encadernação e sai andando sozinho. É interessante que, justamente quando está mais soterrado de “leituras complementares” evangelizantes, ele lhes dá a volta, e as converte em notas de pé de página. Se hoje trazemos a pele marcada como para uma guerra, ou se nos vestimos e nos adornamos de maneira desafiadora, ou, de outro modo, se nos escondemos do olhar dos outros, ou ainda se o procuramos sem sinceridade – só para depois nos queixarmos de que ele não nos encontra, apesar do esforço… –, talvez estejamos dizendo a esse olhar perseguidor que nos deixe em paz. Mas então Jó pode ser o nosso parceiro, não? Se você se interessa por saúde feminina e gravidez visite.
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